segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Violência faz lojas fecharem. Policiais voltam a dirigir. Dois mortos e quatro feridos


Por AlmIro Marcos, Thaís Paranhos, Thiago Soares, Thalita Lins e Flávia Maia

Essa é a conclusão de uma pesquisa feita pela Associação Comercial do DF. Segundo o levantamento, a insegurança foi o principal motivo que obrigou 435 estabelecimentos nas asas Sul e Norte a desistirem de funcionar entre 2012 e 2014.

Homem foi morto em frente a um supermercado na 412 Sul no fim de janeiro, após suposta tentativa de roubo: de acordo com os comerciantes, falta policiamento.

Tribunal nega liminar a PMs, que queriam um salvo conduto caso descumprissem a determinação do comando para fazer rondas motorizadas. Praças pretendem endurecer operação tartaruga.

Na 309 Norte, um policial civil foi atacado por dois bandidos: segundo dono de loja, se o cliente fica sabendo do assalto, vira propaganda negativa. ...

O clima de insegurança que assola a capital do país atinge indistintamente a população, desde os moradores das regiões administrativas aos empresários do Plano Piloto. Nem sempre as estatísticas oficiais conseguem captar essa sensação. Enquanto os números oficiais mostram reduções de índices de crimes ao patrimônio (como furtos e roubos), um levantamento feito por conta própria pela Associação Comercial do Distrito Federal (ACDF), entre o fim de 2012 e o início deste ano, mostra que 435 lojas que funcionavam no piso térreo fecharam as portas nas asas Sul e Norte. O principal motivo constatado para o encerramento das atividades, de acordo com a direção da entidade, é a falta de segurança. Aqueles que insistem em manter os estabelecimentos funcionando são obrigados a adotar medidas próprias para não sofrerem com a violência.

O telefone da ACDF não fica um dia sem tocar com um empresário do outro lado da linha pedindo socorro ou fazendo alerta para problemas de segurança. “Do lado de cá, a gente entendia que alguma coisa estava errada e resolveu fazer nossa própria pesquisa. Nossa equipe foi de quadra em quadra. Havia muitas lojas já fechadas no final de 2012 pelos mesmos motivos, mas termos quase 500 pontos lacrados em pouco mais de um ano é assustador. E olha que só fizemos os pisos térreos. Se formos olhar todos os pontos, o número pode crescer”, desabafa o presidente da associação, Cléber Pires. Para tentar entender a situação de todo o DF, ele pediu um levantamento em todas as cidades. 

Na estimativa da entidade, cerca de 20 mil empregos deixaram de ser gerados no período (entre temporários e permanentes). Isso sem contar a arrecadação de impostos e os prejuízos aos proprietários dos imóveis vagos. “Isso é incalculável”, afirma o presidente da ACDF. A Asa Norte registrou o maior número de baixas em pouco mais de um ano. Eram 1.051 salas vagas no final de 2012, número que chegou a 1.344 no início de 2014 (saldo negativo de 293). Entre as quadras com números significativos de perdas no bairro estão 209 (28), 406 (25), 106 e 313 (24), 308 (22), 406 (21), 203 (18) e 309 (18) (veja quadro).

Os principais motivos para o fechamento, segundo o presidente da ACDF, são insegurança, vindo em sequência a falta de estacionamentos e o alto preço dos aluguéis. “Mas uma coisa está ligada à outra. Consumidores e empresas são assaltados à luz do dia, além dos furtos que ocorrem à noite. O cliente prefere procurar uma loja de shopping, onde há estacionamento e segurança. Como o movimento diminui, o empresário não consegue se manter. É um efeito cascata”, justifica o presidente da entidade. O próprio Palácio do Comércio, onde funciona a associação, no Setor Comercial Sul, tem várias lojas de portas fechadas.

As lojas que estão fechando as portas são de vários segmentos: roupas, calçados, alimentação, beleza e outros. Muitos migram para centros comerciais, onde há mais segurança, vão para outras cidades do DF ou mesmo em Goiás ou simplesmente encerram as atividades. “Há ainda aqueles que seguem para a informalidade. Isso é preocupante. Precisamos fazer um estudo amplo para entender o que está acontecendo com esses empresários”, explica Cleber Pires. Entre os exemplos de empresas fechadas recentemente está uma do setor de calçados. “Tivemos problemas de assaltos e furtos. Nossos funcionários e clientes ficam expostos. É uma coisa aterrorizante. Ainda vamos decidir se vamos reabrir”, diz um representante da empresa, que pediu para não ter o nome identificado.

Exemplos
Na semana passada, a empresária Lúcia Otoni, de 59 anos, viu uma mulher ter a bolsa e o carro roubados na porta de uma drogaria ao lado de sua loja de materiais de construção na Asa Sul. “Foi tudo às claras. Chegaram, colocaram uma arma na senhora e levaram o carro. E onde estava a polícia? Não sei mesmo. Nossa loja já foi roubada, meu marido já foi roubado, meus funcionários já foram roubados, meus vizinhos lojistas já foram roubados. O clima de insegurança é total”, reclama a empresária, que tem estabelecimento no local há 40 anos.

Para o especialista em segurança pública e ex-presidente do Conselho Comunitário de Segurança de Brasília Saulo Santiago, há vários fatores para explicar os altos índices de violência no Plano Piloto que precisam ser combatidos pelo governo. “A droga está com entrada livre no Entorno e no DF. O segundo problema é a participação de jovens com menos de 18 anos nos crimes. Outro ponto é a ausência dos policiais militares nas ruas”, citou. Santiago acredita que o escape dos lojistas das quadras comerciais significa um perigo para o plano urbanístico da cidade. “A substituição do comércio local pelo shopping fere o que foi idealizado para o Plano, feito para ter comércio local”, completou. 

Números não batem
Na última quinta-feira, o presidente da ACDF levou os números para um debate na Câmara Legislativa do DF (CLDF), onde os apresentou ao secretário de Segurança Pública, Sandro Avelar, que não concordou com os dados. Afinal, eles não batiam com as estatísticas da pasta. “O empresário registra uma vez, duas vezes e depois desiste. Afinal, se o cliente fica sabendo que a loja foi assaltada, isso vira propaganda negativa. Assim, a gente prefere ficar calado e tomar nossas próprias providências”, explica um dono de loja da Asa Norte.

Entenda o caso

Mortes no início do ano
Os brasilienses vivenciaram uma onda de violência em janeiro deste ano em meio à operação tartaruga deflagrada pela Polícia Militar. O número de mortes violentas no Distrito Federal durante os 30 primeiros dias de 2014 subiu 41% em relação ao mesmo período de 2013. Foram registrados 75 casos, uma média de um assassinato a cada 10 horas. A escalada dos crimes fez vítimas em todo o DF. Na noite de 29 de janeiro, Leonardo Almeida de Monteiro, 29 anos, perdeu a vida quando chegava em casa, em Águas Claras. Ele foi atingido por um tiro na nuca durante uma suposta tentativa de assalto. Na Estrutural, no domingo da semana passada, o menino Pedrinho, 5 anos, também foi atingido durante uma troca de tiros entre criminosos enquanto brincava com o irmão de 10 anos na porta de casa. O corpo mole dos policiais militares deixou a população ainda mais insegura. Nas redes sociais, alguns PMs chegaram a comemorar o sucesso do movimento devido às mortes. A comunidade também viu crescer o número de roubos, que mudaram a rotina do brasiliense. Na última semana, a discussão ganhou o meio político: ocorreram encontros na Câmara dos Deputados e na Câmara Legislativa, mas em nenhum dos casos veio uma proposta de solução para a crise.


Portas trancadas
A ACDF faz levantamento sobre lojas que encerraram atividades no Plano Piloto. Pesquisa se refere apenas aos andares térreos.
Número geral de empresas cadastradas:
Asa Sul    4.602
Asa Norte    5.588
Total    10.190

Lojas fechadas entre 12/12 e 01/14:
Asa Sul    142
Asa Norte    293
Total    435 Empresários buscam soluções

Empresários buscam soluções 

Reza o dito popular que o cidadão só fecha a porta de casa depois que é roubado. Com o empresário Luiz Eugênio Duarte, 44, não foi bem assim, já que ele considerava que tinha uma loja segura na 412 Sul. Mas as medidas que ele achava serem suficientes, como portas e janelas reforçadas, não foram eficientes para impedir que o estabelecimento fosse arrombado e lhe fossem furtados equipamentos eletrônicos, dinheiro e outros materiais, em agosto do ano passado. A soma do prejuízo: cerca de R$ 15 mil. Somente depois disso foi que decidiu se proteger. Instalou circuito interno de segurança com monitoramento a distância (acompanha as imagens pelo próprio celular), instalou grades nas portas e janelas e contratou uma empresa de segurança particular que custou R$ 28 mil em seis meses.

A preocupação é geral na vizinhança. No mês passado, Luiz Eugênio recebeu uma carta encaminhada por um gerente de uma rede de lanchonetes convidando os lojistas das entrequadras a fazerem um rateio de R$ 180 por mês por comerciante para contratação de um vigilante noturno que trabalha na região. Alguns toparam, outros não. O empresário ainda não se decidiu. “Por que o pessoal está fazendo isso? É porque não temos garantia de segurança pública. Na falta do Estado, precisamos tomar nossas próprias providências. A região toda está cheia de usuários de drogas que praticam furtos e roubos para alimentar o vício, e a polícia não faz nada”, reclama.

A família de Daniella de Holanda, 32, tem uma loja de materiais de acabamento há mais de 40 anos na 313 Sul. Os relatos de crimes na região só aumentaram nos últimos tempos. Em novembro de 2013, a mãe de Daniella teve duas gargantilhas de ouro arrancadas do pescoço quando chegava ao estabelecimento, logo depois do almoço. Na terça-feira da semana passada, por volta das 16h, uma mulher procurava vaga para estacionar na quadra quando foi abordada por uma dupla. Com um revólver apontado para a cabeça, teve que entregar o carro. “Chamamos a polícia com urgência. E demorou mais de meia hora para aparecer uma viatura. Dificilmente a gente vê um policial passando aqui”, reclama a empresária.

O Correio tentou contato com o secretário de Segurança Pública, Sandro Avelar, para falar a respeito do assunto na última sexta-feira. Ele, no entanto, não retornou as ligações. Procurada, a assessoria de comunicação do órgão disse que apenas o titular da pasta poderia passar informações institucionais a respeito do assunto. Violência faz lojas fecharem

Dois mortos e quatro feridos

Thiago Soares e Thalita Lins
O fim de semana foi violento em pelo menos duas regiões administrativas do Distrito Federal e em duas cidades do Entorno, onde duas pessoas morreram e quatro ficaram feridas. Em um dos casos, em Formosa (GO), um homem morreu depois de ser atropelado por um motorista embriagado. A Polícia Civil do município goiano a 70km de Brasília não descarta a possibilidade de o acusado ter premeditado o crime. Em Luziânia (GO), uma festa terminou em tragédia. Dois pedreiros que se divertiam no local foram alvos de arma de fogo. Um não resistiu ao tiro. 

O caso de Formosa ocorreu na noite de sábado, no bairro Jardim Oliveira. Marcivon Francisco Braga andava pela Quadra 38, por volta das 19h, quando foi atingido por um caminhão conduzido por Salmo Cardoso do Nascimento, 41 anos. Segundo agentes da delegacia local, o motorista foi localizado minutos depois, na Rua 12A do bairro. Ele teria ingerido bebida alcóolica. Ainda de acordo com os policiais, a mulher da vítima estava no caminhão. Os agentes não descartam a possibilidade de Marcivon ter sido morto propositadamente. 

Na madrugada de ontem, o pedreiro Wesley Sandro Gonzaga, 39 anos, decidiu ir à comemoração de um aniversário, no Setor de Chácaras Marajuará, em Luziânia, com um colega de trabalho, depois de receber o salário. Por volta das 3h, Wesley e o amigo, que não teve o nome divulgado pela polícia, foram alvejados por disparos de arma de fogo. Os bandidos levaram todo o dinheiro da vítima. Wesley morreu na hora. A outra vítima foi socorrida pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) e encaminhado ao Hospital Municipal de Valparaíso (GO). O caso é investigado pela Delegacia de Luziânia. 

Tiros e facadas
Entre os casos mais graves ocorridos no DF, um adolescente de 17 anos e outra pessoa foram vítimas de criminosos e ficaram feridos depois de serem alvejados, na QNQ 5 de Ceilândia, no sábado. Ambos foram levados para o Hospital Regional de Ceilândia (HRC). O estado de saúde deles não foi informado pelo HRC, ontem. O crime está registrado na 15ª Delegacia de Polícia (Ceilândia). Até a noite de ontem, os autores dos disparos não haviam sido identificados. 

Na Praça do Relógio, em Taguatinga, um homem foi esfaqueado no início da noite de sábado, próximo a um posto da Polícia Militar. A vítima teria sido abordada por dois suspeitos que queriam os pertences dela. Os acusados roubaram os tênis e carteira do rapaz, que reagiu e foi esfaqueado. Os golpes atingiram a mão, os braços, os pés e a cabeça da vítima. O homem ainda conseguiu correr até a estação do metrô para pedir socorro aos servidores do local. 

O crime ocorreu ao lado da casa simbólica montada por um grupo de moradores, no sábado. Eles protestavam contra o onda de violência no DF. A intenção do grupo era de permanecer no local durante 24 horas, mas o ato teve que ser suspenso após a cena de violência na praça.

Policiais voltam a dirigir

Tribunal nega liminar a PMs, que queriam um salvo conduto caso descumprissem a determinação do comando para fazer rondas motorizadas. Praças pretendem endurecer operação tartaruga.

Thaís Paranhos e Flávia Maia

Após o Comando-Geral enviar uma portaria extraordinária aos batalhões do Distrito Federal, os policiais militares dos quartéis de Santa Maria e do Guará voltaram a circular com os carros ontem. Em uma clara estratégia de manutenção da operação tartaruga, os praças se recusavam a fazer o patrulhamento com os veículos alegando falta de curso técnico para dirigir as viaturas de emergência. A atitude, que pode configurar motim, teve início na noite de sexta-feira. Em resposta, o comando da corporação determinou que a ronda fosse feita a pé, ao longo do sábado, e encaminhou documento informando que o curso de formação de soldados, praças e oficiais supria as exigências do Código de Trânsito Brasileiro (CTB) para a condução de veículos de emergência e vigilância.

Batizada de operação legalidade, a medida adotada pelos praças é mais uma maneira de driblar decisão do Tribunal de Justiça do DF e dos Territórios, que considerou ilegal a operação tartaruga, iniciada em outubro do ano passado. Em caso de descumprimento, quatro associações de policiais militares estão sujeitas a multa diária de R$ 100 mil. No sábado, o comandante-geral da PMDF, coronel Anderson Moura, afirmou que mandou abrir investigação sobre a recusa dos seus subordinados dos batalhões do Guará e de Santa Maria. Ele prometeu punir os líderes. 

Os policiais militares que exercem função de motorista entraram com um pedido de habeas corpus preventivo na Auditoria Militar do TJDFT, sábado. Eles pediam o salvo-conduto. Dessa forma, caso descumprissem a determinação do comando da PMDF, não poderiam ser presos. Porém, no início da tarde de ontem, o juiz Rodrigo Otávio Donati Barbosa indeferiu o pedido de liminar, alegando que não viu, em um primeiro momento, ilegalidade na portaria do Comando-Geral. A decisão será publicada em dois dias.

O comandante-geral Anderson Moura garantiu que todas as viaturas circularam normalmente ontem e que havia coronéis e comandantes em todos os batalhões para cuidar da liberação dos veículos. Sobre a decisão da justiça sobre o habeas corpus preventivo de alguns policiais, Moura disse sentir mais seguro em suas medidas para fazer os praças retomarem as atividades normais. “A decisão do juiz mostra que estamos trabalhando corretamente, no caminho da legalidade”, completou.

A reportagem do Correio esteve ontem nos batalhões de Santa Maria e do Guará. Em ambos, os militares informaram que o patrulhamento já havia voltado ao normal, sendo feito com os veículos. Pela manhã, seis equipes faziam a ronda com as viaturas em Santa Maria, de acordo com uma sargento que estava no quartel. No entanto, a equipe do jornal encontrou apenas um veículo, parado na entrada da Avenida Alagados, a principal da região administrativa. 

No Guará, um policial informou que havia cinco equipes na rua para fazer o patrulhamento e à noite haveria oito, todas com veículos. Percorrendo a cidade, a reportagem constatou ter mais carros da PM do que em Santa Maria.

Insegurança
Em meio à mobilização dos PMs por melhores salários, a população reclama da falta de segurança. “O importante é ter policiamento, não importa se é a pé ou de carro. A violência está demais e o número de assaltos aumentou muito nas lojas de dezembro para cá. Onde trabalho, já tentaram entrar de madrugada”, contou a atendente Bárbara Brunet, 24 anos, moradora de Santa Maria.

O empresário Alexandre Mota, 45 anos, morador do Guará, acredita que os policiais devem cumprir a lei e só dirigir quem estiver capacitado. “Deve haver treinamento sim, o que eles (policiais) fizeram é uma forma de boicote, sob o ponto de vista da lei não está errado, mas é justo? Acho que não. Até hoje eles levavam no jeitinho”, comentou.

Mota defende um maior policiamento nas ruas do DF. “Se é ostensiva tem que ser a pé, na viatura e a cavalo. A polícia tem que estar equipada e existe recurso para isso, mas virou uma questão política. Nós precisamos de polícia para fazer a segurança e não política.”
Fonte: Jornal Correio Braziliense

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