sábado, 1 de fevereiro de 2014

Filha de vítima do incêndio no Edifício Joelma transforma dor em arte

 

Jennifer Wiegand diz que começou a pintar em homenagem ao pai.
Incêndio em prédio no centro de SP completa 40 anos neste sábado (1).


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Jennifer e um de seus quadros (Foto: Mariane Rossi/G1)Jennifer começou a pintar para se livrar da dor da perda do pai (Foto: Mariane Rossi/G1)
Para lidar com a dor, a filha de uma das 180 vítimas do incêndio que atingiu o Edifício Joelma, em São Paulo, em 1º de fevereiro de 1974, resolveu homenagear seu pai se dedicando à arte. Após 40 anos de uma das maiores tragédias da história do Brasil, a americana Jenniffer Williams Wiegand, de 51 anos, encontrou na pintura uma forma de superar a perda do pai, que se jogou do alto do edifício para tentar escapar do incêndio. Após vários anos fora do Brasil, a artista retornou ao país para fazer uma exposição da suas obras abstratas em Santos, no litoral de São Paulo, e conversou com o G1 sobre as marcas deixadas pela tragédia.
Jennifer nasceu em Nova York, nos Estados Unidos. Aos 9 meses de idade, mudou-se para o Brasil com os pais. Ela morou algum tempo em Belo Horizonte e Santos. Depois, passou a viver em São Paulo, já que seu pai, Bell Williams, tinha sido transferido para trabalhar na diretoria do banco Citibank, no edifício Joelma, no centro da capital paulista.
A vida de Jennifer mudou radicalmente a partir do dia em que o acidente no edifício Joelma aconteceu. Um curto-circuito no ar-condicionado da sala de seu pai provocou um dos maiores incêndios da história de São Paulo. Em poucos minutos, as chamas se espalharam pelas salas e escritórios. Mais de 180 pessoas morreram queimadas ou asfixiadas e outras 300 ficaram feridas. Entre os mortos, estava o pai de Jennifer.
Incêndio no Edifício Joelma, em São Paulo.  (Foto: GloboNews)Incêndio no Edifício Joelma, em São Paulo. (Foto: GloboNews)
A americana estava em casa no momento da tragédia, mas lembra com detalhes o dia que marcou a sua vida. “Era férias. Eu lembro que eu estava deitada no jardim de casa olhando o céu. Minha mãe tinha ido na feira e eu vi que umas amigas dela estavam começando a chegar em casa, meio nervosas. Já devia estar passando as notícias no rádio. Minha mãe chegou e elas se trancaram dentro da biblioteca e não deixaram as crianças entrar. Ela mandou o motorista do banco levar a gente para passear o dia inteiro. Eu sabia que tinha alguma coisa errada. O rapaz ligava o rádio e começam a falar os nomes das pessoas que tinham sido encontradas. Mas ninguém falava nada”, conta Jennifer.
Jennifer, os irmãos e o pai, em 1974 (Foto: Jennifer Williams/Arquivo Pessoal)Jennifer, os irmãos e o pai, em 1974
(Foto: Jennifer Williams/Arquivo Pessoal)
A avó americana disse aos netos que havia acontecido um incêndio no prédio onde o pai dela trabalhava mas, que não sabia sobre o estado de saúde dele. A americana ainda conta que chegou em casa, neste dia, e viu diversos carros em volta do quarteirão. “Eu lembro de tudo. Eu tinha 11 anos. No dia que sua vida muda, você lembra de tudo”, diz ela.
A mãe de Jennifer resolveu chamar um padre para conversar com os filhos sobre a morte do marido. Depois deste dia, Jennifer e os irmãos nunca mais falaram sobre o incêndio com a mãe. “A gente não lidou com  isso. Foi difícil porque não podíamos tocar no assunto com ela. A gente não soube totalmente a verdade. Até hoje a gente não conversa com ela sobre isso, não podemos falar sobre o assunto”, explica Jennifer.
Um cavalete de presente
A americana e os irmãos tiveram que conviver com a falta do pai e a ausência da palavra da mãe em relação ao assunto. “Fui vivendo meio anestesiada”, diz ela. Algumas semanas após a morte de seu pai, a mãe de Jennifer lhe deu o cavalete de pintura do marido. Bell Williams gostava de pintar nas horas vagas e a filha também sempre teve esse talento, assim como o pai. “Sempre que ele virava as costas, eu dava uma pincelada nos quadros dele”, comenta ela. Para Jennifer, o presente deu início a sua carreira como pintora e a arte trouxe um pouco de conforto ao coração.“Foi bom eu ter alguma coisa que era dele e ter aquela proximidade”, acredita. Jennifer passou a fazer pinturas de paisagens e igrejas. Ela copiava a arte de imagens de livros que tinha em casa e desenhava obras com tintas e carvão.
Jennifer mora em Bahamas atualmente (Foto: Mariane Rossi/G1)Jennifer mora em Bahamas atualmente
(Foto: Mariane Rossi/G1)
Aos 18 anos, a americana casou-se, teve filhos e começou que trabalhar para sustentar as crianças. Por isso, parou de se dedicar à pintura. Jennifer ficou no Brasil durante 35 anos entre idas e vindas entre Santos e São Paulo. Ela morava na capital do estado, mas sentia falta de ver o mar e por isso sempre seguia ao litoral. Em 1998, ela retornou aos Estados Unidos e, há 10 anos, mora nas Bahamas, também por gostar de ficar perto da praia.
Na ilha, a mãe de oito filhos acabou ficando distante de todos e voltou à suas origens. Ela montou um espaço dentro da própria casa e passou a fazer pinturas, principalmente, abstratas. “Há cinco anos, eu posso pintar o dia inteiro. Comecei a vender também. Tenho o meu estúdio em casa”, afirma.
Apesar da distração, as lembranças da infância sempre voltavam para a americana. Há 4 anos, ela procurou saber o que realmente aconteceu na tragédia que resultou na morte do pai dela.“Se não fizesse isso eu não conseguia terminar esse capítulo, seguir em frente, ter paz. Eu sempre tenho que saber a verdade de tudo”, fala. Por isso, quando esteve pela última vez no Brasil, Jennifer teve contato com um sobrevivente. Pelas informações que recebeu, antes de morrer, o pai de Jeniffer colocou a aliança no bolso para que seu corpo fosse reconhecido pelos familiares e se jogou do prédio.
Cartões de credito velhos utilizados para fazer os quadros (Foto: Mariane Rossi/G1)Cartões de credito velhos utilizados para fazer os
quadros (Foto: Mariane Rossi/G1)
Após reviver essa tragédia que marcou sua vida, Jeniffer se aproximou ainda mais da pintura. Para ela, a arte ajudou a superar os momentos difíceis. “Com certeza ajudou muito. Acho que a arte pode ajudar todas as pessoas. Você pode tomar o tempo, se expressar com liberdade sem pensar. Apenas sentir. Isso é muito bom”, explica a pintora. Em seu ateliê, ela deixa os sentimentos fluírem. As músicas avisam as cores e o caminho que a pintora deve seguir com os tons e as texturas na tela. "Quando eu começo a pintar, eu começo com a tela esticada na mesa e escolho as cores. De acordo com a música, eu coloco na tela. Eu uso rodo, espátula, cartão de crédito velho. Começo a espalhar tudo sem pensar, Depois, começo a trabalhar mais devagar e arrumo para ficar mais bonito. São muitas camadas de tinta até chegar em um ponto harmonioso. É totalmente emoção”, fala.
Obra abstrata da americana Jennifer (Foto: Mariane Rossi/G1)Obra abstrata da americana Jennifer
(Foto: Mariane Rossi/G1)
Arte para superar
Aos 51 anos, Jennifer entende que com a ajuda da arte conseguiu superar as perdas e seguir a vida. A morte do pai no incêndio do Edifício Joelma abalou sua vida e deixou muitas marcas. “Eu aprendi que nada é para sempre. Eu comecei a duvidar de qualquer tipo de estabilidade. Por muito tempo eu achei que não podia amar ninguém porque a pessoa ia embora”, diz. Ela, porém, também garante que aprendeu muito. “Graças a Deus não sofro de depressão. Se caio, eu levanto. Fora a pintura, eu fiz muita terapia. Isso tudo me ajudou muito. Eu vi que eu tinha que sair do buraco. Eu sai, levantei e fui em frente”, finaliza a artista.
Atualmente, as obras de Jennifer Williams estão no Brasil. Aqui, ela manteve amigos, como Cecilia Monfort, da Associação Ibsen Monfort, que trouxe os quadros da americana para Santos. A exposição 'A leveza do Ser' ficará entre os dias 8 e 15 de fevereiro no Espaço Cultural Tremendão. São 16 obras da Série Neon, que podem ser apreciadas sempre de segunda a sexta-feira, das 10h às 19h, e aos sábados, das 10h às 17h. As obras, que tem tons fortes, foram inspiradas na moda, na coleção primavera/verão masculina de Nova Iorque, onde um dos filhos dela trabalha como modelo. Uma porcentagem das vendas das obras será destinada ao Projeto Menina-Mãe, que procura amenizar os efeitos emocional, físico ou social de uma gestação na adolescência.
Quadros de Jennifer que estarão na exposição (Foto: Mariane Rossi/G1)Quadros de Jennifer que estarão na exposição (Foto: Mariane Rossi/G1)


FONTE:
    http://g1.globo.com/sp/santos-regiao/noticia/2014/02/filha-de-vitima-do-incendio-no-edificio-joelma-transforma-dor-em-arte.htm
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