segunda-feira, 28 de outubro de 2013

A serviço de quem?

Opinião de Ciro Gomes

 

Nos últimos tempos, a Petrobras tem trabalhado contra o Brasil.

No mundo do petróleo, não há alternativa. Ou é a propriedade estatal ou o oligopólio das sete irmãs. O Brasil é dos poucos países do mundo com a vantagem estratégica de ser autossuficiente e até exportador do insumo energético ainda predominante. ...
Por isso sempre fui defensor do controle estatal da Petrobras. Crises cíclicas no planeta sempre repercutem imediatamente no preço do petróleo e esse repercute em todos os outros preços da economia. Não há causa razoável, portanto, para entregarmos ao mercado spot de Roterdã premissa tão grave de nossa sanidade econômica. Desse fato só o preconceito ideológico estúpido se afasta. 


Ninguém me confunda, portanto, por causa da reflexão sobre o papel da Petrobras no momento brasileiro. Este, infelizmente, não tem sido o melhor. Ao contrário. Ultimamente, a Petrobras tem trabalhado contra o Brasil em alguns momentos. Já denunciei aqui que nossa poderosa estatal é a maior responsável individual pela grave deterioração de nossas contas externas. Logo abaixo de uma política cambial suicida. Neste ano, o déficit na conta-petróleo girará em torno de 15 bilhões de dólares. Em consequência, teremos a pior conta comercial desde 1995. Nossa companhia exporta petróleo bruto barato e importa derivados refinados caros e os vende a preço político.


Faz isso enquanto engana investidores, analistas e comunidades inteiras com a promessa de construir refinarias que nunca saem, justamente, do campo das promessas. Ou pela compra de refinaria obsoleta nos EUA por valor inexplicável.


Não é esse abuso, entre tantos outros, que me leva a refletir hoje sobre a Petrobras. É o que aconteceu no leilão do Campo de Libra. O primeiro de uma série de concessões de áreas de exploração dessa incontável riqueza chamada pré-sal. Retórica à parte, foi uma frustração grande o fato de não ter havido competição nenhuma e o lote, magnífico lote, de Libra sair pelas condições mínimas impostas pelo edital (muito bem  feito, diga-se de passagem).


Por que não houve competição? Por que a União receberá apenas (!?) o valor mínimo da concessão e da partilha do petróleo? O que espantou os muitos interessados se a mídia internacional e brasileira falava em até oito consórcios com a participação dos gigantes globais do setor?


A resposta: a Petrobras sabotou o esforço nacional por otimizar os ganhos do pré-sal para o povo, apesar de estar protegida pela legislação que ajudei a criar e a transformou na operadora única dessa riqueza.


Com 40% das cotas do consórcio vencedor, a empresa associou-se à anglo-holandesa Shell, à francesa Total e a duas companhias chinesas. Vale anotar, por razões estratégicas: o futuro revelará que são duas companhias chinesas. Por baixo dos panos a nossa gigante petrolífera mandou o recado aos pretendentes: sumam daqui.


A Petrobras tem o capital necessário para os vultosos investimentos necessários à efetivação dessa exploração, ou planeja sentar em cima eternamente, como tem feito em relação à política de refino? Os próximos lotes revelarão a mesma atitude?  O governo está de acordo com essa prática?  Se não, vai ficar tudo por isso mesmo em relação à conduta lesiva ao País.


O debate não é esse que levou uns gatos- pingados a protestar entre os banhistas de um feriado carioca. Não se trata de privatizar ou não privatizar. O modelo de concessão adotado pelo governo é uma forma de privatização. É assim ou essa riqueza vai ficar para um futuro tão remoto que nele talvez o petróleo não faça mais sentido.


O modelo adotado, sem prejuízo do controle estatal do setor, traz aos cofres públicos, à vista, muitos bilhões de reais. No caso de Libra, 15 bilhões. Mas há muito mais. Do petróleo explorado, mais de 40% será propriedade do governo, quer dizer, do povo brasileiro, pois será convertido em recursos fiscais para o enfrentamento dos problemas da saúde, educação, ciência e tecnologia, entre outros.


Está tudo muito bem regulamentado na legislação que fizemos. E não será um gasto da mão para a boca como a maldição do petróleo farto provocou em alguns países, especialmente no Oriente Médio. Aqui tomamos o cuidado de criar um fundo em que serão aplicados esses recursos (só seus rendimentos serão utilizados). E ainda se deve considerar um imenso potencial de recursos para estados e municípios via royalties, também em reforço de educação e saúde. Como se pode ver, é imediato o interesse público envolvido no assunto.


Por causa disso tudo, o brasileiro que como eu gosta da Petrobras, respeita profundamente sua comunidade de trabalhadores, sua expertise técnica e conhece a importância dela para o Brasil deve se perguntar: a quem ela serve neste instante?

Fonte: Portal da Revista Carta Capital

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