quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Comida-fantasma

PF indicia petista da cúpula da Conab e prende 11 por desvio de verba para compra de alimentos

 
Um novo escândalo de corrupção na Companhia Nacional de Abastecimento (Conab); revelado ontem após operação da Polícia Federal, levou ao indiciamento do diretor de Política Agrícola do órgão, Sílvio Porto, cotado por diversas vezes para assumir a presidência da entidade e filiado ao PT do Rio Grande do Sul. Porto foi enquadrado pelos crimes de estelionato, peculato, formação de quadrilha e prevaricação, porém não teve a prisão decretada. Na mesma ação, batizada de "Agrofantasma" e que identificou irregularidades em um programa ligado ao Fome Zero, a PF prendeu 11 pessoas no Paraná, em São Paulo e no Mato Grosso do Sul. ...

De acordo com a investigação, funcionários da Conab e de associações de produtores rurais desviariam recursos do chamado Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), que financia a compra de alimentos produzidos por agricultores familiares e assentados da reforma agrária. Esses alimentos, que deveriam chegar a escolas e hospitais, nunca foram entregues.

A fraude envolveria servidores da Conab que teriam conhecimento das irregularidades, mas, mesmo assim, teriam elaborado relatórios falsos para acobertar a ação do grupo criminoso. Ao todo, 58 pessoas foram indiciadas nos crimes de apropriação indébita previdenciária, estelionato, formação de quadrilha, falsidade ideológica e peculato, entre outros. O valor total desviado não foi revelado. Após a operação, sete dirigentes da Conab no Paraná foram afastados, entre eles, o superintendente Luiz Carlos Vissoci.

— Os recursos vinham de Brasília para a Conab (no Paraná), que autorizava o repasse para associações e cooperativas rurais utilizando os nomes de produtores rurais em notas fiscais frias e superfaturadas, com produtos que não existiam. A maioria dos produtores rurais é vítima. Os coordenadores do programa nos municípios eram os principais responsáveis pelos desvios, com a conivência da Conab no acobertamento das irregularidades — afirmou o delegado federal Maurício Todeschini.

A investigação começou em 2011, como resultado da Operação Feira Livre, depois que a prefeitura da cidade paranaense de Honório Serpa denunciou à Conab o superfaturamento de notas fiscais por associações de produtores rurais do estado. De acordo com a PF, a denúncia foi praticamente ignorada pela Conab-PR, que em relatório apontou apenas pequenas irregularidades, sem indício de má-fé dos suspeitos.

— A Conab sabia das irregularidades e fazia relatórios falsos para continuar distribuindo dinheiro do programa — completou Todeschini.

A polícia acredita que o esquema pode se repetir em outros estados:

— Não pegamos nem metade —- disse o delegado responsável pela operação.

As investigações se estenderam a 22 programas em 14 municípios. Em todos, foram detectadas irregularidades graves, segundo a PF.

Alguns servidores da Conab, em conluio com representantes de associações e cooperativas, passaram a desviar esses recursos — explicou o superintendente em exercício da PF no Paraná, José Washington dos Santos.
 


DIRETOR SE DEFENDE EM REUNIÃO NA CONAB

Agora indiciado, Sílvio Porto está há 11 anos na Conab, onde entrou no início do governo Lula. Nas várias crises pelas quais a empresa passou, ele foi cotado para assumir a presidência, mas o grupo do PMDB que controla o Ministério da Agricultura há anos impedia sua ascensão ao cargo.

Em seu depoimento à PF, ontem à tarde, em Brasília, Porto teria deixado várias perguntas sem respostas, de acordo com agentes que acompanharam o interrogatório. Mais tarde, depois de prestar depoimento, o diretor reuniu dezenas de funcionários da empresa e prestou informações sobre o processo do qual é alvo. Ele falou também para servidores as superintendências regionais da Conab em todo o país numa teleconferência.

Disse que foi pego de surpresa e que, desde 2011, vinha prestando informações à Polícia Federal sobre o assunto. Reforçou ainda que não foi detido; dizendo que está num "túnel escuro" mas que tem certeza de que sairá dele.

— Ninguém mais que eu tem pressa em conhecer esse processo. Não vou negar que falo aqui a vocês na condição de indiciado. Nenhum documento foi negado à Polícia Federal. Só estranho por que o processo corre em segredo de justiça. Não vou me furtar a falar a verdade a vocês — disse Sílvio Porto.

Antes de sua fala, o presidente da Conab, Rubens Rodrigues, saiu em defesa do colega:

— Estamos aqui para dar esse apoio ao colega, que passa por um momento triste — disse Rodrigues.

Em nota, a Conab afirmou que está colaborando com as investigações da PF desde o princípio do processo, em 2011, fornecendo informações e documentos.

"Com relação ao Programa de Aquisição de Alimentos, a companhia informa: desde 2012, a companhia tem implementado ações de aprimoramento dos procedimentos operacionais e de controle gerencial do programa, tais como padronização de rotinas procedimentais"

"Em razão das denúncias que deram origem às investigações da PF, o estado do Paraná foi considerado prioritário no Plano Nacional de Fiscalização. De 121 projetos no estado, 21 foram fiscalizados pelos técnicos da Conab, sendo três projetos considerados regulares; 11, com ressalva; dois, irregulares; e cinco, projetos que ainda não entraram em execução. Foram visitados 86 produtores, 85 entidades beneficiárias e 19 parceiros" encerra a nota. (*Especial para O GLOBO)

Um longo histórico de desvios

Há mais de uma década, denúncias atingem dirigentes do órgão

Criada em 1990, fruto da fusão da Companhia de Financiamento da Produção (CFP), da Companhia Brasileira de Abastecimento (Cobal) e da Companhia Brasileira de Armazenamento (Cibrazem), a Conab acumula um histórico de denúncias de fraudes e desvios em diferentes ocasiões.

Há mais de uma década, em 2001, o então presidente do órgão, Antônio Carlos da Silveira Pinheiro, perdeu o cargo após a revelação de irregularidades na compra de 1,5 milhão de cestas básicas para flagelados da seca no Nordeste.

Dez anos mais tarde, em 2011, um novo escândalo emergiu após o então diretor financeiro da Conab, Jucá Neto, ser demitido pelo ministro da Agricultura à época, Wagner Rossi. Em entrevista à revista "Veja", Jucá Neto saiu disparando e afirmou que a corrupção estava disseminada, tanto no órgão quanto no próprio Ministério da Agricultura.

Jucazinho, como é conhecido o irmão do senador Romero Jucá (PMDB-RR), foi demitido depois de autorizar - sem permissão e com verba que não poderia ser usada para esse fim - um pagamento para uma suposta empresa de fachada. Ele autorizou o pagamento de R$ 8 milhões de programas de apoio a agricultores para a conta geral da Conab e, em seguida, depositou o dinheiro na conta de uma empresa.

Na ocasião, Rossi - que também acabou demitido após os escândalos na pasta - chegou a anunciar uma faxina na Conab, começando pela área jurídica, por determinação da presidente Dilma Rousseff. Na mesma época, outra reportagem apontou o suposto envolvimento de Rossi em fraude eleitoral na Paraíba. Segundo a denúncia, oito mil toneladas de feijão, doadas à prefeitura de João Pessoa em 2007, foram guardadas para serem distribuídas em 2008, ano eleitoral, para favorecer candidatos ligados a ele. Quando o esquema foi descoberto, os alimentos teriam sido jogados no lixo.

Em março de 2010, O GLOBO revelou que, quando presidiu a Conab, Wagner Rossi nomeou até presidentes de clubes de futebol do interior de São Paulo - Ary José Kara (Taubaté) e Virgilio Dalla Pria (Rio Preto) - como seus assessores. Eles não iam a Brasília. Um dentista de Ribeirão Preto também ocupou cargo na gestão de Rossi.

Quatro meses após o escândalo que resultou na queda de Rossi, a Controladoria Geral da União (CGU) apresentou auditorias que comprovavam denúncias relacionadas à pasta e apontou que a Conab pagou R$ 16 milhões a uma rede de empresas mantidas em nome de "laranjas", que beneficiou, em leilão, até um produtor rural já morto.

Em fevereiro do ano passado, a Conab viu seu presidente, Evangevaldo Moreira dos Santos, pedir demissão depois de denúncias de suposto envolvimento em esquema de corrupção em Goiás. Em novembro, a Polícia Federal e a CGU investigaram pessoas ligadas a associações de produtores rurais, por suspeita de fraude no Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar.
 
Por Luís Lomba*, Jailton de Carvalho e Evandro Éboli

Fonte: O Globo

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